Por: Wilson Pereira Lima, mestre em Biomecânica.
A aptidão física é definida, em suma, como um conjunto de atributos individuais relacionados ao estado de vigor, de disposição, que permite uma pessoa realizar ou não uma dada tarefa (CASPERSEN, POWELL & CHRISTENSON, 1985). Entre os principais componentes da aptidão física encontram-se a aptidão cardiorrespiratória (endurance) e a força muscular (strength or power) os quais apresentam importantes relações com a saúde e com o desempenho esportivo (BLAIR et. al., 1989; HOWLEY, 2001; CHODZKO-ZAJKO et. al., 2009).
Neste sentido, para aqueles que desejam aprimorar ou manter a aptidão física relacionada à saúde, os exercícios de endurance e de força muscular são altamente recomendados (GARBER, et. al., 2011). Da mesma forma, a combinação do treinamento de endurance e de força muscular também tem se mostrado fundamental para o sucesso competitivo de diversas modalidades (WILSON et. al., 2012).
A realização de exercícios de endurance e de força muscular dentro de uma mesma sessão de treino denomina-se treinamento concorrente (FYFE, BISHOP & STEPTO, 2014; MAKANAE, OGASAWARA & FUJITA, 2015). No treinamento concorrente o aprimoramento de uma das capacidades físicas pode ocorrer em detrimento da outra, de maneira que os resultados obtidos podem ser inferiores aqueles esperados para uma sessão de treino de uma capacidade isolada. Desta forma, a ordem de execução dos exercícios dentro de uma sessão de treinamento concorrente é determinante para a adaptação proveniente do treinamento (LEVERITT et. al., 1999; CANTRELL et. al., 2014).
De fato, estudos prévios reportam que em consequência da ordem do treinamento concorrente podem ocorrer resultados inferiores no desempenho de endurance (CONCEIÇÃO et al., 2014); no desempenho da força (JONES et. al., 2016); ou ainda nenhum tipo de efeito de uma capacidade sobre a outra (DA COSTA et al., 2010; FERRAUTI, BERGERMANN & FERNANDEZ-FERNANDEZ, 2010; TAIPALE et. al., 2014). As divergências encontradas nesses resultados podem ser justificadas pelo desenho experimental de cada estudo, uma vez que nem todos investigaram sujeitos, tipo, intensidade, duração e frequência de treinamento com características equalizadas (DOCHERTY & SPORER, 2000).
Na tentativa de esclarecer os resultados diferentes entre os estudos sobre o treinamento concorrente, Leveritt et al. (1999) sugeriram três modelos capazes de explicar, ainda que teoricamente, os possíveis efeitos negativos causados pelo treinamento concorrente. Esses modelos são assim denominados: a) hipótese do overtrainingque se baseia na somatória de volume de ambos os tipos de treinamento à qual provoca excesso de sobrecarga; (b) hipótese crônica que sugere adaptações antagônicas da musculatura esquelética quando submetida simultaneamente aos dois tipos de treinamento (endurance vs. força) e, por fim, (c) hipótese aguda que sugere prejuízo do desempenho subsequente devido à fadiga residual provocada pela atividade precedente.
Tendo em vista a importância de ambas as capacidades físicas (endurance e força muscular) para atletas de diferentes modalidades e também para a promoção da saúde, o treinamento concorrente tem sido tema de diversas pesquisas que buscam identificar as adaptações de um tipo de treinamento sobre o outro (GARBER, et. al., 2011; WILSON et. al., 2012; CANTRELL et. al., 2014). Portanto, diante da relevância desta estratégia de treinamento, é fundamental que Profissionais de Educação Física, além de seu conhecimento proveniente da prática, se apropriem de conhecimento científico sobre o treinamento concorrente, o qual certamente contribuirá para uma manipulação adequada dos componentes dos exercícios, garantindo assim um melhor controle de sobrecarga e otimização do desempenho.
Estudar deve ser considerado um caminho sem volta. Mantenha-se aprimorando seu conhecimento e seja feliz!
Prof. Me. Wilson Pereira Lima
@wilson_p_lima
REFERÊNCIAS
BLAIR, Steven N. et al. Physical fitness and all-cause mortality: a prospective study of healthy men and women. Jama, v. 262, n. 17, p. 2395-2401, 1989.
CANTRELL, Gregory S. et al. Maximal strength, power, and aerobic endurance adaptations to concurrent strength and sprint interval training. European journal of applied physiology, v. 114, n. 4, p. 763-771, 2014.
CASPERSEN, Carl J. et al. Physical activity, exercise, and physical fitness: definitions and distinctions for health-related research. Public health rep, v. 100, n. 2, p. 126-131, 1985.
CHODZKO-ZAJKO, Wojtek J. et al. Exercise and physical activity for older adults. Medicine & science in sports & exercise, v. 41, n. 7, p. 1510-1530, 2009.
CONCEIÇÃO, Matheus et al. Strength training prior to endurance exercise: Impact on the neuromuscular system, endurance performance and cardiorespiratory responses. Journal of human kinetics, v. 44, n. 1, p. 171-181, 2014.
DA COSTA, L. et al. Efeito do exercício aeróbico sobre o desempenho da força de membros inferiores. Brazilian Journal of Sports and Exercise Research, v. 1, n. 2, p. 118-21, 2010.
DOCHERTY, David; SPORER, Ben. A proposed model for examining the interference phenomenon between concurrent aerobic and strength training. Sports medicine, v. 30, n. 6, p. 385-394, 2000.
FERRAUTI, Alexander; BERGERMANN, Matthias; FERNANDEZ-FERNANDEZ, Jaime. Effects of a concurrent strength and endurance training on running performance and running economy in recreational marathon runners. The Journal of Strength & Conditioning Research, v. 24, n. 10, p. 2770-2778, 2010.
FYFE, Jackson J.; BISHOP, David J.; STEPTO, Nigel K. Interference between concurrent resistance and endurance exercise: molecular bases and the role of individual training variables. Sports medicine, v. 44, n. 6, p. 743-762, 2014.
GARBER, Carol Ewing et al. American College of Sports Medicine position stand. Quantity and quality of exercise for developing and maintaining cardiorespiratory, musculoskeletal, and neuromotor fitness in apparently healthy adults: guidance for prescribing exercise. Medicine and science in sports and exercise, v. 43, n. 7, p. 1334, 2011.
HOWLEY, Edward T. Type of activity: resistance, aerobic and leisure versus occupational physical activity. Medicine & Science in Sports & Exercise, v. 33, n. 6, p. S364-S369, 2001.
JONES, Thomas W. et al. Performance and endocrine responses to differing ratios of concurrent strength and endurance training. The Journal of Strength & Conditioning Research, v. 30, n. 3, p. 693-702, 2016.
LEVERITT, Michael et al. Concurrent strength and endurance training. Sports medicine, v. 28, n. 6, p. 413-427, 1999.
MAKANAE, Yuhei; OGASAWARA, Riki; FUJITA, Satoshi. Skeletal muscle signaling response to concurrent endurance and resistance exercise. The Journal of Physical Fitness and Sports Medicine, v. 4, n. 2, p. 217-221, 2015.
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WILSON, Jacob M. et al. Concurrent training: a meta-analysis examining interference of aerobic and resistance exercises. The Journal of Strength & Conditioning Research, v. 26, n. 8, p. 2293-2307, 2012.