Prof. Ms. Ricardo Itria
A Avaliação Física é uma poderosa fonte de informações sobre as reais condições de aptidão física de qualquer praticante de exercícios físicos, atividades sistematizadas e esportistas em geral, além de abastecer aos profissionais informações acerca do desenvolvimento e progresso do treinamento, através das avaliações de controle, as quais chamamos de reavaliações.
Alguns profissionais defendem a tese de que não há viabilidade concreta na realização da Avaliação Física, pois os resultados ‘tendem a aparecer naturalmente´; porém, nos dias atuais, as comprovações de cunho técnico devem ser valorizadas, mesmo por que existe a necessidade de engajamento e comprometimento junto ao processo que norteia todo e qualquer adesão a programas de exercícios físicos, objetivando mais segurança, maior controle das variáveis de treinamento e outros elementos relacionados a própria adesão e fidelização de clientela. “Todos os nossos pensamentos, ações e manifestações estão ligados intimamente a tecnologia que nos cerca; desta maneira, o progresso profissional, tendo como base fundamental alcançar resultados, depende do devido respaldo científico!” (Itria, 2018).
Em um país com as proporções continentais e população do Brasil, segundo país em quantidade de academias (perdendo apenas para os Estados Unidos), é praticamente imperdoável que a quantidade de praticantes de exercícios físicos indoor seja tão baixa. Atualmente, a população gira em torno de 210 milhões de habitantes. Segundo pesquisa realizada pelo IHRSA (International Health, Racquet and Sportsclub Association), em 2015, o Brasil já apontava como o segundo país com maior número de academias por habitante. Ainda de acordo com esse levantamento, o país possuía cerca de 31.800 academias, espalhadas pelo território nacional e cerca de 7.952 milhões de alunos ativos.
Através desses números, podemos constatar que cerca de 1/3 da população encontra-se em algum nível participativo relacionado à pratica de exercícios físicos em academias ou outros ambientes semelhantes, como clínicas de personal, estúdios, etc. Igualmente interessante ressaltar que a média nos níveis de retenção de clientela geralmente não são nada promissores, salvo alguns casos. Um estudo realizado em uma grande rede de academias entre janeiro de 2005 e fevereiro de 2006, rede esta que contava com um expressivo número de 25.000 alunos ativos, comprovou essa teoria. A rede matriculou cerca de 2.500 novos alunos no período. Exatamente o mesmo número de alunos que cancelaram suas matriculas. Durante anos, a rede de academias em questão, manteve o mesmo número de alunos ativos – 25.000. Em números, a retenção constatada dentro do período foi de 90%. Na época, a coordenação técnica contava com uma ferramenta poderosa para a retenção da clientela, a Avaliação Física e suas respectivas avaliações de controle, que aconteciam três e seis meses, respectivamente após a realização da primeira avaliação, logo após a matricula. Com o auxilio dos resultados obtidos através das Avaliações Físicas, contando com um maior comprometimento dos professores para a prescrição de treinamento individualizado de maneira mais assertiva, suas respectivas avaliações de controle e os ajustes constantes nos diferentes estímulos de treinamento, a rede conseguiu manter um alto nível de retenção, impactando direta e positivamente na carteira de clientes, favorecendo tanto a equipe comercial, quanto a técnica que trabalhavam em conjunto e conseguiam visualizar e manipular os resultados obtidos por uma equipe multidisciplinar.
Os departamentos de Avaliação Física contavam com professores especializados, estagiários escolhidos entre os melhores nas diferentes universidades de SP, médicos cardiologistas, especialistas em medicina do esporte, bem como uma gama de professores de sala e de coletivas que realmente realizavam a diferença. O resultado? Professores com um número maior de informações para a realização da prescrição, clientes mais satisfeitos e conscientes em relação ao progresso do treinamento, metas, objetivos e prazos mais estruturados e factíveis. Isso impactava positivamente na manutenção de uma carteira constante de clientes, em uma quantidade elevada na contratação de professores personais (personal trainers) e na fidelização constante e crônica da clientela.
Mas por que a Avaliação Física e o manuseio dos dados são tão vitais para o sucesso do treinamento? Quando um indivíduo é submetido a constantes sessões de exercícios físicos inicia-se um processo de adaptação fisiológica que impacta em um aumento significativo nos níveis de flexibilidade, força, resistência muscular localizada, aptidão cardiorrespiratória e, a médio-longo prazo, em mudanças no comportamento da composição corporal. Esses elementos fazem parte dos cinco componentes da aptidão física relacionados à saúde. Os efeitos de pequeno prazo estão relacionados a um maior controle dos níveis pressóricos e da frequência cardíaca, tanto em exercício quanto em repouso, a um maior controle dos níveis de estresse, a um aumento significativo no recrutamento de fibras musculares, resultando num melhor controle corporal e de coordenação motora, entre outros. Ainda assim, esses efeitos não são visíveis como os efeitos a curto-médio prazo, como o aumento da massa magra e a diminuição dos níveis de gordura, responsáveis por uma transformação estética. Assim sendo, o cliente precisa estar consciente que tais alterações corporais demandam em tempo e determinação e devem ser associadas a uma mudança de hábitos alimentares e pessoais, para que os resultados estejam de acordo com os objetivos selecionados por cada indivíduo, levando em consideração a individualidade biológica de cada um. Tão importante quanto é a constante revisão nos estímulos relacionados ao treinamento que pode ser realizada de maneira mais eficiente através dos resultados obtidos nas avaliações de controle.
Resumindo, através das avaliações e das respectivas interpretações dos resultados, o professor tem ferramentas para realizar as alterações necessárias nos estímulos, inclusive relacionados aos diferentes métodos de treinamento, ao controle de carga, repetições, velocidade de execução, pausa entre séries e exercícios, amplitude de movimento, bem como os melhores e mais indicados exercícios, movimentos, tarefas motoras e equipamentos que mais estejam de acordo com os resultados obtidos através das avaliações. Essa realidade nada mais é do que o ‘modus operandi’ no mundo dos esportes de competição, onde o atleta precisa obter a melhor performance possível, dentro de um espaço de tempo mais apertado e ainda mantendo as características individuais com o objetivo de diminuir a incidência de lesões relacionadas.
Nesse contexto, uma nova metodologia de avaliação vem crescendo na última década e está cada vez mais sendo utilizada, tanto em academias quanto nos esportes de rendimento, inclusive no futebol profissional. Trata-se da Avaliação Funcional, também conhecida como Avaliação Multifuncional. Além dos elementos clássicos que compõe a Avaliação Física, a Avaliação Multifuncional conta com testes orientados para a avaliação do padrão de movimento e para a observação de encurtamentos musculares que podem atrapalhar o desenvolvimento, trazer complicações relacionadas a possíveis alterações, acarretando compensações que comprometem e alteram o padrão de movimento como um todo, proporcionando uma maior incidência de lesões e desgastes desnecessários. Esses resultados, em conjunto com uma boa avaliação postural são de extrema importância pois auxiliam o professor na escolha dos exercícios mais adequados, bem como em outras tarefas motoras que auxiliam na reaprendizagem de um movimento específico. Como exemplo, podemos citar o exercício ‘agachamento’. Alguns profissionais da área da saúde, como professores de Educação Física, Fisioterapeutas, Ortopedistas, entre outros, acreditam que o agachamento é um exercício que apresenta alta incidência de lesões e deveria ser banido de toda e qualquer prescrição de treinamento. Outros profissionais acreditam que o agachamento deve ser inserido nas sessões de treinamento e, que bem executado, pode trazer grandes resultados ao praticante. O fato é que uma criança, em início do processo de deambulação, consegue agachar normalmente e profundamente, sem nenhum prejuízo a sua saúde. O problema reside justamente nos efeitos estudados pela Motricidade Humana, disciplina que estuda os efeitos e fenômenos do desenvolvimento humano. A criança, inserida em seu ambiente e aprendendo como seu corpo se comporta frente aos estímulos recém adquiridos, inicia um processo de exploração de movimentos e seu corpo responde de acordo com seu desenvolvimento individual. As tarefas motoras precisam ser estimuladas conforme a criança vai se desenvolvendo e essas tarefas precisam ser adaptadas constantemente à maturidade e as diferentes condições. É dentro deste contexto que especialistas defendem arduamente que nenhuma etapa do desenvolvimento motor de uma criança deve ser acelerada ou estimulada além do necessário. Infelizmente, grande parte das pessoas não dão continuidade ao aprendizado motor, nem tão pouco ao processo de transferência de informações acerca das tarefas motoras, o que acaba por comprometer a realização de movimentos básicos. Desta maneira, o indivíduo acaba por não desenvolver (em alguns casos, acaba por desenvolver de maneira errada), as habilidades motoras básicas, como correr, saltar, equilibrar, rolar, etc, dificultando a manutenção da coordenação motora, sobretudo a coordenação fina. Desta maneira, o indivíduo não tem consciência ampla sobre lateralidade, transferência de peso corporal, orientação espacial, orientação temporal, entre outros. Assim sendo, o indivíduo se desenvolve e cresce com poucos recursos motores, aprendizados errados ou insuficientes, adaptações motoras, problemas no controle de lateralidade e sofre com um repertório motor empobrecido. E o agachamento, onde entra nisso tudo? O indivíduo se desenvolve, e deixa de realizar certas tarefas motoras e/ou as adapta com compensações motoras desnecessárias. Em determinado momento, se compromete com alguma rotina de treinamento e exercícios físicos e passa a realizar movimentos que deveriam estar bem incorporados…mas eles não estão, pois faltou estimulo, encorajamento, aprendizagem. E, por ser uma tarefa motora de alto grau de complexidade, pluri articular, que envolve uma grande quantidade de músculos ativos e ainda com necessidade de grande nível de estabilidade e mobilidade, o praticante acaba por sofrer com essa pobreza de aprendizagem e gera as tão mencionadas compensações, que levam aos distúrbios de lateralidade, transferência de carga e, com grande chances do praticante acabar fazendo parte da estatística relacionada as lesões osteo-articulares. Um estudo realizado com mais que 1.700 alunos ingressantes em um planejamento de exercícios físicos em uma academia recém inaugurada em SP, em 2012, todos submetidos ao processo de Avaliação Multifuncional, comprovou que a grande maioria não apresentavam condições adequadas para serem submetidos ao exercícios agachamento, seja ele em aparelhos como o smith, o squat e obviamente o próprio agachamento livre, seja com barras, anilhas ou qualquer tipo de sobrecarga. Esses dados, assim como vários outros são identificados após a realização da avaliação do padrão de movimento e são ‘tratados’ com tarefas e exercícios que levam a uma reorganização motora, um reaprendizado do movimento, fazendo com que o padrão deste e de outros movimentos associados melhore paulatinamente. Esses exercícios podem – e devem, ser inseridos na rotina de treinamento, de acordo com o planejamento de cada professor ou ainda podem ser utilizados antes do treinamento específico, como uma espécie de ‘aquecimento’. Geralmente, o Professor avaliador escolhe ou direciona dois pontos mais fracos relacionado ao padrão de movimento e o trabalho de reorganização motora é feito com base nessas informações. Tão logo o indivíduo melhore significativamente esses determinados padrões e tarefas, outras tarefas são prescritas, focando outros padrões deficientes de movimento. Finalizando, a importância que a Avaliação Física desempenha vai além das medidas e dos conceitos relacionados à composição corporal, vai além das informações sobre a aptidão física geral e ainda é mais importante do que as próprias ferramentas e condições que ela proporciona para uma mudança positiva de comportamento. A Avaliação Física acumulou a responsabilidade em consertar erros de desenvolvimento motor, tão comuns em nossa atualidade, fazendo com que os indivíduos estejam mais bem preparados física e emocionalmente, bem como mais independentes quando os anos da ‘melhor idade’ baterem à porta.