Leandro dos Santos Afonso
Nesse quente e chuvoso mês de janeiro foi disputada nos estádios espalhados pelo estado de São Paulo a Copa São Paulo de Futebol Júnior, que já foi chamada de “Taça São Paulo”, torneio esse dos mais tradicionais do país, abarcando jogadores de 128 equipes de todo o território nacional (na prática 127 com a desistência do Flamengo/RJ), sendo que em edições anteriores chegou a contar com a participação de equipes e até seleções estrangeiras. Contudo, esse texto não é para celebrar os jovens craques, os gols, as emoções e alegrias das vitórias ou a tristeza das derrotas esportivas. A ideia é refletir sobre o que esse momento ou essa competição significa para muitos desses rapazes que lutam pelo sonho de vencer na vida por meio do futebol.
Como foi, e, sempre é propagado pela grande mídia esportiva, “A Copinha é o vestibular da bola….”, bem, se é realmente o vestibular da bola, a similaridade com o vestibular real é válida pelo simples fato de que não há vagas no futebol profissional para todos. Isso pode entristecer, mas é a fria realidade, uma parcela significativa desses jovens não se tornará jogador de futebol profissional, se bem que o termo “jogador de futebol profissional” em muitos casos não é adequado, basta constatar a quantidade de equipes pelo Brasil a fora que apesar de terem o título de equipes profissionais, são na prática equipes semiprofissionais ou “amadoras” disfarçadas (pois os atletas não conseguem realmente viver ou sobreviver dos proventos dos clubes), contudo, a qualificação de atleta profissional transborda o imaginário popular, só de ouvir que tal indivíduo é jogador profissional, o ouvinte pode imaginar uma pessoa que possui muito dinheiro, muita fama, muita bajulação, muita felicidade…. Mas essa ideia esfarela quando confrontada com a realidade, realidade essa que é a cara do Brasil, no qual a maior parte da população sobrevive em condições desfavoráveis em contraste com um percentual pequeno do restante da população que desfruta de uma condição de vida digna de “contos de fadas” (ou de novelas, mais ao feitio dos brasileiros), ou seja, quando observamos o futebol profissional brasileiro, o que encontra-se é a realidade da população, muitos com pouco e poucos com muito, ou transferindo para o futebol, muitos jogadores atuando em equipes desprovidas das mínimas condições de estrutura, finanças, organização e mercado (poucos torcedores, pouca atenção da mídia, pouco interesse dos patrocinadores, em outras palavras, uma rede interligada que impossibilita esses clubes de obterem recursos para serem realmente profissionais) e poucos jogadores atuando em clubes que oferecem totais condições para a esses atletas serem profissionais na acepção da palavra.
Agora, o que vem à tona quando se fala em futebol e nos seus personagens é o mundo desses clubes de ponta (o que não quer dizer que todos os maiores clubes do país apresentem todas as condições de maneira satisfatória, ainda é frequente se defrontar com notícias de atrasos de salários, estrutura para treinamento precária, má gestão dos dirigentes, etc….), mas os clubes grandes possuem um patrimônio que é a sua torcida, desse modo, esses clubes tendo um número considerável de torcedores, conseguem atenção da mídia e consequentemente dos patrocinadores devido sua exposição diária, culminando na possibilidade de maior aporte de recursos financeiros. Com isso, os jogadores que participam dessa elite tornam-se modelos para esses jovens “vestibulandos” do mundo da bola que disputam a Copa São Paulo. Até aí maravilhoso, pois sonhar é o combustível da alma, sei que quando abandonamos um sonho, talvez matemos um pouco daquilo que somos, mas, a vida, independente do sonho, chega, e apresenta a realidade, seja ela a desejada ou não. Isso é que me preocupa quando vejo uma quantidade impressionante de equipes que iniciaram a Copa São Paulo no começo do mês, se você não se lembra, o número de equipes participantes era bem menor, na primeira edição no ano de 1969 contou com apenas quatro clubes e o número ficou em patamares racionais até o ano de 1997 com quarenta clubes, para a partir de 1998 iniciar um processo de inchaço que repercutiu em várias situações, dentre elas a maior possibilidade de jovens participarem, contudo, se o intuito era servir de vitrine para expor o talento desportivo, essa vitrine ficou mais opaca (não somente pela quantidade de atletas e clubes participantes, mas também decorrente da atenção da mídia que ficou pulverizada, não sendo possível acompanhar de maneira mais qualificada o desempenho desses jovens futebolistas, em muitos casos só é possível saber os resultados e quem sabe assistir aos gols). Na prática, anteriormente a quantidade menor de equipes participantes possibilitava aos atletas uma maior exposição, além da melhor qualidade dos jogos (dificilmente haviam goleadas aterradoras, se bem que depois dos 7 x 1, nada mais espanta o público brasileiro), o nível das equipes era muito parelho, os atletas eram “da base” mesmo, o que proporcionava uma competição interessantíssima, pois equipes que não possuíam um departamento profissional muito forte, compensavam em muitos caso com uma “boa base”, como por exemplo o Matsubara do estado do Paraná (clube já extinto, mas que tinha tradição em formar jogadores), o Nacional de São Paulo, o Juventus, entre outros. Hoje os tempos são outros, a “profissionalização” das categorias de base (estrutura, recursos humanos, recursos financeiros, além dos empresários e procuradores) transformou o que era um ambiente mais democrático em uma elitização das categorias de base, ou seja, os clubes com mais recursos começaram a se distanciar daqueles que contavam com menos possibilidades de investimento, e, isso acabou se refletindo na Copa São Paulo, a disputa acaba se tornando desigual (isso nos remete aquela história do vestibular da bola, como acontece no vestibular para ingresso nas universidades, os alunos que tem mais recursos ou acesso ao melhor ensino, que em muitos caso está relacionado ao ensino particular apresenta maior preparo em relação aos alunos do ensino público, geralmente associado à má qualidade), clubes com poucos recursos acabam comparecendo na disputa da Copa São Paulo em situações tragicômicas, coloque-se no lugar desses rapazes que atravessam o Brasil (praticamente um continente) em um ônibus, em viagens de três, quatro, sete dias !!!! Imaginem as condições físicas que esses jogadores chegam em São Paulo para a competição, com jogos em intervalos de dias inviáveis para uma recuperação física adequada, como resultado, aqueles clubes com mais recursos ou localizados geograficamente próximos ao estado de São Paulo levam certa vantagem, enfim, é um “vestibular” no qual não há nenhuma política de compensação para auxiliar o “aluno” que não teve as mesmas condições de preparo. Logicamente não estou defendendo que haja algum tipo de ajuda ou assistência por parte dos organizadores para compensar esse déficit dentro de campo, como ocorre no vestibular universitário (política de bonificação para alunos oriundos do ensino médio público), mas vale a reflexão para quando assistirmos algum clube “grande” golear um clube de menor expressão e se achar altamente qualificado por esse resultado.
Cheguei onde queria, ao término desse “vestibular da bola”, muitos serão reprovados e alguns poucos alcançarão o reconhecimento e a possível promoção para a equipe profissional do seu clube, quem sabe, possa dar sequência na carreira pela equipe profissional de outro clube, contanto que seja “grande” (esse é o plano). Mas, e quando não acontece dessa maneira, quando o desempenho na Copa São Paulo não foi dos melhores e as portas começam a se fecharem, o que ocorre com esses jovens que próximos dos 20 anos de idade se deparam com a impossibilidade de seguir com a carreira desportiva ? Qual o preparo (além do treinamento na modalidade esportiva em questão) eles receberam ? Qual caminho profissional (que não o de atleta profissional) eles podem seguir ? Aí que reside o maior drama, que muitos fecham os olhos, os clubes ao constatarem que não precisarão dos serviços desses jovens, simplesmente os descartam (a palavra utilizada é liberam para seguir a carreira em outro clube), mas na prática é não tem mais o vínculo. Atualmente, alguns clubes têm se preocupado em dar uma preparação (ensino formal, além da parte esportiva), ainda mais com o ECA (Estatuto da criança e do Adolescente) para ser um parâmetro do tratamento desses jovens, entretanto, infelizmente, uma boa parcela dos clubes não prima por esse cuidado, de modo que, ao término do tempo legal para esses rapazes pertencerem as categorias de base, qual o futuro eles podem almejar, em quais condições esses jovens retornam para as suas famílias ? Quais frustrações ? Quais angustias ? Quais expectativas pelo futuro eles terão ?
No Brasil existem aproximadamente 660 clubes que mantem equipes de futebol profissional, talvez você ache o número alto ou baixo, mas, o que interessa é compreender que quando se fala em futebol profissional, apesar de ser sedutora a ideia de se tornar jogador de futebol, há a necessidade de discutir todas as alternativas de futuro com os jovens que compõem as equipes de base pelo Brasil a fora, com a finalidade de alertar da real possibilidade de não alcançarem o patamar de independência financeira desejada (ou sonhada, aqui não apenas pelo jovem atleta, mas também pela família que coloca em muitos caso a mudança da condição social nos ombros desse rapaz), de modo que seja possível incutir juntamente com a preparação esportiva, a preparação acadêmica (ensino fundamental e média, e quem sabe até o ensino superior), com isso, o clube caso tiver que “liberar” o atleta pois reconheceu que não precisará dos seus serviços, devolverá para a família e consequentemente para a sociedade um jovem com uma “base” para dar continuidade na sua vida desenvolvendo outra profissão com dignidade e satisfação.
Assim, ao assistir a disputa de uma partida da Copa São Paulo de Futebol Júnior, seja ela da primeira fase até a final do dia 25 de janeiro (aniversário da cidade de São Paulo), lembre-se que aqueles jovens podem estar dando o pontapé decisivo para o início das suas carreiras de jogadores profissionais, mas também, podem estar se despedindo do sonho…..