Por: Felipe de Lara Janz.
Os primeiros vestígios do uso de “protótipos vacinais”, com a introdução de patógenos atenuados no organismo humano, estão relacionados ao combate da varíola no século X, na China. A prática usada, conhecida por “variolização”, consistia na aplicação do pó, feito a partir de feridas provocadas pela doença nas narinas do doente.
Contudo, foi em 1796, que Edward Jenner, nascido na Inglaterra, descobriu o primeiro imunizante (ainda não se tinha cunhado o termo vacina) com vírus atenuado que erradicaria a varíola ao longo dos séculos seguintes. Ele extraiu o pus da mão de uma camponesa que havia contraído a varíola bovina e o inoculou em um menino saudável, este contraiu a doença de forma branda e, em seguida, ficou curado. Jenner, então, inoculou no mesmo menino o líquido extraído de uma pústula de varíola humana e ele não contraiu a doença, o que significava que estava imune à varíola.
Seguindo os preceitos de Jenner, em 1885, o francês Louis Pasteur anuncia a descoberta de um imunizante contra a raiva, que ele chamou de vacina em homenagem ao pesquisador inglês. Importante ressaltar que as vacinas de Pasteur foram as primeiras obtidas seguindo uma metodologia científica e podendo ser produzidas em grande escala.
Atualmente as vacinas são definidas como compostos biológicos constituídos por antígenos de várias categorias, capazes de estimular no organismo que os recebe um estado de resistência imunológica parcial ou total contra uma determinada infecção.
Elas podem ser classificadas em três grandes grupos (ou gerações) dadas as estratégias ou os conceitos utilizados na preparação do princípio ativo (antígeno). As vacinas de primeira geração representam aquelas que empregam na sua composição o agente patogênico na sua constituição completa, mas submetido a tratamentos que levam à inativação ou à atenuação dos micro-organismos. Nesse grupo, destacam-se as vacinas voltadas para a prevenção da coqueluche, varíola, poliomielite, sarampo, rubéola, adenovírus, entre outras.
A segunda geração surgiu com a noção de que, em alguns patógenos, a proteção vacinal pode ser obtida após a indução de anticorpos voltados para um único alvo, como uma toxina, responsável pelos sintomas da doença, ou açúcares de superfície que permitem ao sistema imune do hospedeiro neutralizar e eliminar bactérias que de outra forma se propagariam rapidamente antes de serem notadas por nossas principais linhas de defesa imunológica. Nesse grupo, destacam-se vacinas acelulares que empregam toxoides, proteínas e polissacarídeos purificados, como a antitetânica, antidiftérica, hepatite B e as vacinas para o controle da meningite meningocócica e da pneumonia.
A terceira e mais recente geração de vacinas emprega o material genético (DNA ou RNA) do patógeno responsável pela codificação de proteínas que representem antígenos relevantes para a proteção do organismo. Em geral, são chamadas de vacinas de DNA ou gênicas. As vacinas de DNA surgiram como resultado dos avanços biotecnológicos em DNA recombinante. A informação genética, responsável pela codificação de antígenos com aplicação vacinal, é clonada e propagada em linhagens bacterianas de Escherichia coli.
Testes
Antes de serem avaliadas em estudos clínicos, todas as vacinas candidatas devem ser submetidas a testes de segurança e imunogenicidade em estudos pré-clínicos.
Estes testes podem ser realizados tanto in vitro, em células primárias ou adaptadas, incluindo células humanas, quanto in vivo, em modelos animais, particularmente em primatas não humanos (PNH). Os estudos pré-clínicos foram desenhados para fornecer informações sobre a estabilidade fenotípica e genotípica das cepas incluídas nas vacinas candidatas, para avaliar o seu tropismo, estrutura, capacidade de multiplicação e risco de transmissão, assim como para documentar aspectos específicos ligados ao uso de organismos geneticamente modificados (OGMs). Todos esses fatores podem afetar de forma direta ou indireta a segurança e a imunogenicidade da vacina.
Os ensaios clínicos representam a etapa de testes realizada em seres humanos, estes são indicados para avaliar a segurança e eficácia de: (i) um novo produto; (ii) uma nova formulação de um mesmo produto ou associação de produtos já em uso e (iii) uma nova indicação clínica de um produto já aprovado. Os ensaios podem avaliar o efeito terapêutico (drogas), tóxico (toxicantes) ou profilático (vacinas).
Fase I
Constitui a primeira etapa de avaliação de um produto químico/biológico em seres humanos. Os ensaios de Fase I são geralmente precedidos de provas em modelos experimentais em animais para avaliar toxicidade e eficácia. O objetivo principal nesta fase é avaliar toxicidade e farmacocinética do produto.
Fase II
São ensaios clínicos pilotos limitados à um pequeno número de participantes ou pacientes com o objetivo de demonstrar a atividade imunogênica da vacina. Os ensaios de Fase II requerem um grupo de comparação. Na avaliação de antígenos candidatos a vacinas se estuda a produção e cinética de anticorpos e resposta imunológica celular. Na avaliação de vacinas se reconhece uma Fase IIa onde se realizam inóculos padronizados do agente infeccioso (desafio artificial) após imunização para se verificar o efeito protetor da vacina candidata. Estes estudos permitem otimizar em tempo e custo a avaliação de eficácia de vacinas. A Fase IIb se refere à avaliação de eficácia em situação de desafio natural, ou seja, pela exposição natural à infecção em áreas onde há transmissão.
Fase III
São considerados críticos para o registro e aprovação de um produto farmacêutico. Envolvem muitos participantes, eventualmente em estudos multicêntricos, quando se inclui vários grupos de pacientes tratados em serviços distintos – sempre utilizando o mesmo protocolo de investigação. O objetivo principal é demonstrar eficácia e inocuidade a curto e longo prazo. Na avaliação da eficácia de vacinas estes estudos devem ser conduzidos na população em geral, selecionando aqueles indivíduos que serão alvo de vacinação futura (por exemplo, crianças durante o primeiro ano de vida).
Fase IV
Esta etapa refere-se aos ensaios clínicos realizados após aprovação, registro e comercialização do produto vacinal. Estes estudos destinam-se principalmente a avaliar a ocorrência de efeitos adversos raros ou desconhecidos. Em intervenções em saúde pública, como no caso de vacinas, os estudos de Fase IV permitem: avaliar estratégias operacionais alternativas para administrar a intervenção; conhecer a duração do efeito (imunidade); avaliar o efeito da intervenção em situações epidemiológicas distintas; e avaliar o impacto epidemiológico da intervenção na transmissão da doença.
Percebe-se que o desenvolvimento de uma nova vacina, principalmente aquelas contra patógenos recém-descobertos (como no caso do vírus SARS-COV2), é um processo longo, composto por várias etapas que envolvem alta tecnologia, muitos pesquisadores e voluntários. Desta forma, é necessário compreender e seguir as fases determinadas para que se tenha um produto eficaz e seguro.
Referências
DINIZ, MO; FERREIRA, LCS. Biotecnologia aplicada ao desenvolvimento de vacinas. Estudos avançados. vol. 24 (70), 2010.
FIOCRUZ. Vacinas: as origens, a importância e os novos debates sobre seu uso. 2016. Disponível em: https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/noticias/1263-vacinas-as-origens-a-importancia-e-os-novos-debates-sobre-seu-uso?showall=1&limitstart=. Acesso em 01 jul. 2020.
GUY, Bruno et al. Desenvolvimento de uma vacina tetravalente contra dengue. Rev. Pan-Amaz. Saúde 2011; 2(2):51-64.