Fabiana Cassales Tosi
Recentemente, em uma visita domiciliar para avaliação de uma idosa que iniciaria o tratamento fisioterapêutico, ouvi a seguinte frase de sua neta: “A vovó caiu de novo…também, na idade dela, isso é normal, né?” O advérbio, ao final da frase, me pedia a confirmação desta ideia que, a despeito de todo o carinho que percebia naquela relação familiar, revelava um tanto de conformismo, desinformação e negligência.
Em minha rotina profissional como fisioterapeuta, não me canso de repetir que a queda é um “bicho” na geriatria, um “divisor de águas” que pode trazer consequências dramáticas e anunciar o fim…o fim de muitas coisas…mas, vamos por partes…
Para começar, respondo a pergunta da neta: Não! Não podemos considerar a queda como um evento normal, apesar da sua grande incidência na população idosa. Entender a queda como “normal” pode nos colocar passivos diante de uma importante síndrome geriátrica que requer diagnóstico, tratamento e esforços múltiplos para prevenção, envolvendo todos os profissionais de saúde, familiares e sociedade civil. Assim como não podemos considerar “normal” o envelhecimento cursar com múltiplas doenças, demências, depressão e incapacidade física. O que é normal e pertinente a natureza humana são as alterações fisiológicas decorrentes dos anos vividos e que diminuirão, sucessivamente, o desempenho dos nossos sistemas orgânicos e de várias capacidades físicas, como força, resistência, flexibilidade, equilíbrio e propriocepção. Consequente a essas alterações, haverá uma mudança significativa na marcha, tornando-se mais lenta, com passos arrastados, menor tempo de apoio unipodal e do movimento de dorsiflexão. Além disso, há um menor balanço dos braços e tendência a flexão do tronco e joelhos, levando a maior instabilidade postural e, obviamente, favorecendo as quedas.
Entretanto, sabemos que as quedas não decorrem apenas de fatores intrínsecos, ou seja, de alterações biológicas, e isto deve ficar bastante claro para idosos e cuidadores. Os riscos também “moram” dentro de casa… estão disfarçados de tapetes, de chinelos confortáveis sem antiderrapante, banheiros sem barras de apoio, de escadas sem corrimão, de ambientes mal iluminados, enfim, de uma série de riscos, aparentemente pequenos e ligados ao cotidiano mas que, por esta razão, talvez não sejam apelos suficientes para mobilizar esforços que os transformem.
As pesquisas apontam que a maior parte das quedas de idosos ocorrem em suas próprias residências e em situações rotineiras. A cada 10 idosos acima de 65 anos, 3 caem pelo menos uma vez por ano. Acima de 80 anos, o risco sobe, sendo 5 a cada 10 idosos. A probabilidade de cair novamente duplica e o medo da recorrência associa-se a sensação de incapacidade e dependência. Não a toa, os idosos passam a se movimentar menos e a tendência do meio familiar e social é de protegê-lo, fazendo isso as custas de uma redução ainda maior das suas atividades físicas. Instala-se aí um círculo vicioso e muito perigoso em que, em nome da legítima proteção, patrocina-se um comportamento sedentário danoso.
Neste momento, podemos nos deparar com o início de mudanças significativas e profundas. A queda não será um evento único a marcar essa fase, mas irá expor a necessidade de ajustes sociais e emocionais, podendo caracterizar um marco para a transição das etapas da vida. Hospitalização, cirurgias, mudança de residência, institucionalização, e dependência serão desfechos muito comuns.
Profissionais da área de saúde devem ser agentes incansáveis de afirmação à população de que muitas quedas são eventos evitáveis, quando tomadas as providências ambientais e comportamentais. Profissionais da saúde devem ser sensíveis na orientação, respeitosos nas sugestões e educadores amorosos, demonstrando que não há fórmulas prontas, mas sim um caminho novo a se construir.